Lúcio Packter

quinta-feira, 25 de abril de 2024

(atualizações semanais)

artigo publicado nas revistas Flash News e Planeta Água.

Este dias falei na quinta-feira no programa do Adelor Lessa, no qual participo semanalmente, na Som Maior Premium – FM, sobre uma das características curiosas de nossa época. Ao mesmo tempo, alguns carregam dentro de si mesmos uma pessoa feudal e uma pessoa pós-contemporânea. Ao mesmo tempo. Ilustrei com extremos, mas há muitas alternativas mais entre um pólo e outro.

Assim, o coração de uma mulher pode se comportar como um suserano do século XI exigindo do marido fidelidade, compromisso, abnegação; nesta mesma mulher, as buscas existenciais, no entanto, já venceram a revolução francesa, a Bastilha, e caminharam para os tempos de Internet. Tais buscas clamam por relacionamentos de igualdade, confissões, sutileza de sentimentos. Então pode existir um conflito forte na alma desta mulher cujo coração caminha com vassalos e a alma acompanha os serafins iluminados. Coração e alma não se entendem aqui. Uma conseqüência direta possível é que ao ter o amor devotado que a alimenta, ela ao mesmo tempo de sentirá vazia por viver algo tão rudimentar, tão longe das pétalas de luz que lhe comovem.

Quando consideramos as opiniões que uma pessoa tem de si mesma, podemos encontrar fenômenos curiosos. A pessoa pode mostrar-se quebrada ao meio, pois parte do que acha de si mesma é feudatária e vive na expectativa de aprovação, condescendência; e a outra parte? pode ter transcendido a necessidade do carinho das pessoas para se sentir bem.

Um Audi, o avarandado da casa, o jacarezinho na camisa são mais fáceis de uma compreensão de nossa parte feudal. Em uma mente de suserano, um avarandado em madeira naval tem peso, densidade, metros, custos, manutenção, e dias determinados para as conversas da primavera. Mas esta mesma mente medieval se perde quando a pessoa vive a esperança misturada à perda, por exemplo. Não consegue colocar isso em uma balança, não sabe dizer quantos metros de esperança faz recuar a perda, não sabe.

Nunca aconteceu a você de ver toda a sua pós-modernidade ruir diante de uma simples ameaça ao seu emprego? Nunca aconteceu? Sabe, aquela coisa de pregar subjetividades, sensibilidades, MASP, uma caminhada até um café em Paris, tudo pelo chão porque a mulher comunicou – pelo telefone, uh! – que o casamento acabou… e então, após um grito servo, irrompe a fúria que camponeses mantiveram por séculos no repuxo da corda; subitamente passamos a defender uma estrutura piramidal  com duques, condes, viscondes, barões. Passamos a entender precisamente nobres e cavaleiros do século XI em suas vaidades, futilidades, necessidades de vinganças. Isso perdura até o telefone tocar novamente. Ela se desculpa, diz que se precipitou, que espera em casa com morangos e jantar. E imediatamente retornamos a ser os anjos da primeira hierarquia, os serafins pós-modernos.

Há muito contextos e lugares nos quais a vassalagem e os senhores laicos vicejam. Empresas, escolas, famílias, relacionamentos afetivos, estados de espírito, pontos de vista.

Uma vez presenciei no consultório uma jovem, muito bonita a moça, ter momentos de medo intenso porque se apaixonou por uma homem que nunca admitiria um relacionamento calcado em feudos. Como o coração dela não poderia viver algo que ultrapasse o século XII, no que concerne às emoções, o resultado foi o medo.

Penso que não existe um modo certo. Muitos mesclam tais concepções e trazem até o MASP um feudalismo pós-moderno. Outros vão até a cavalaria medieval do século XI e encharcam tudo com uma contemporaneidade estética que transforma até o último castelo no quintal da praça.

Encontrar o modo de ser no determinado contexto nem sempre será tranqüilo e possível e isso também é parte da questão.

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